ABRUPTO

23.3.14


   
 A POUCOS MESES DO GLORIOSO 1640 



Estamos a poucos meses do nosso glorioso 1640, ainda sem saber quem é que vai pela janela fora e quem é proclamado rei. Há demasiada política de faz de conta e muito pouca política a sério. E não se pode discutir nada. Ou melhor, pode-se discutir se for num colóquio académico, num obscuro fórum de empresários, desde que não haja qualquer consequência política, desde que o que se discuta não dê origem a propostas políticas e muito menos se essas propostas são “alternativas”, a coisa mais temida dos nossos dias pelo poder. Claro que este diktat de silêncio só funciona para o comum dos mortais, porque nos gabinetes ministeriais, nas salas da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, no FMI em Washington, nas consultoras financeiras, nos bancos, nos meios económicos e financeiros próximos do poder político, tudo está a ser discutido e decidido. Mas decidido pelos que podem e não pelos que devem, porque, sem informação e sem escrutínio, nada assusta mais do que a “irresponsabilidade” de querer saber o que se passa, discutir o que se passa e, extremo absoluto de irresponsabilidade, levar a votos o que se vai passar. 

 FOI ESTE DIKTAT DE SILÊNCIO QUE O MANIFESTO DOS 70 PERTURBOU 

Posso dar de barato que o manifesto não diz nada de novo - o que não é verdade, porque o manifesto é o seu texto e a sua oportunidade e a sua oportunidade é o seu significado político e esse introduz novidade, - e que lhe falta aquilo que Marcelo e Marques Mendes dizem que é o “essencial”: a definição de uma política para desenvolver o país. Este último pecado só pode ser visto com ironia, porque desde 2011 que este governo não tem qualquer política para desenvolver o país, isto se considerarmos que não são sérias as proclamações revolucionárias de 2011 de “mudar Portugal”. O objectivo do manifesto não foi definir essa política de desenvolvimento mas sim apontar para a criação de um espaço económico e financeiro para que possa existir qualquer política que não seja apenas de “austeridade” e que permita… pagar a dívida. No fundo, ele diz uma coisa muito simples ao governo: quando discutirem com os nossos “protectores” coloquem na mesa a opção mais realista de renegociar a dívida, com boa-fé e bons termos, em vez de aceitarem uma política de curto prazo, disfarçada de estruturante, que não tem outro eixo que não seja “pagar aos credores”. Dizem-nos que o governo já está a fazer isso. É verdade, mas é a curto prazo, muito moderadamente, com intenções eleitorais de garantir uma folga para 2015, ano de eleições, e sem ser uma política de fundo, estrutural. Ou seja, não se destina a criar espaço para algum desenvolvimento e a criação de alguma riqueza, mas apenas a permitir uma variante do 1640 aceitável pelo menos até 2015. Quem vier depois herdará o problema ainda mais agravado.

 PORQUÊ TANTA INCOMODAÇÃO E RAIVA? 

 O que afectou o establishment, que vai muito para além do governo, no manifesto dos 70, foi a questão ser colocada em termos políticos. Traduziu-se assim a consciência que qualquer pessoa pode ter, rudimentar economista que seja, de que a nossa dívida é impagável mesmo com as mais optimistas taxas de crescimento dentro do domínio da realidade e não da ficção científica. Aliás, quando perguntados à bruta, - como devem ser perguntados os governantes para não fugirem com subterfúgios, - sobre como é possível diminuir a dívida para os valores do pacto orçamental, nos prazos do mesmo pacto, ou vão para os longuíssimos prazos da economia (em que, como dizia Keynes, estamos todos mortos) ou para os impossíveis prazos da política em democracia. O Presidente fez isso e, apontando números de crescimento que todos sabem não ser realistas, chegou a mais de vinte anos do mesmo. Portanto alguma coisa tem que acontecer, a bem ou a mal. É muito provável que aconteça, na melhor das hipóteses, no contexto europeu a reboque de idênticos problemas da França e da Itália e que sobrem algumas migalhas para nós. Então essas migalhas, sob a forma de uma qualquer … restruturação da dívida, serão saudadas como sendo no “tempo certo”. No entretanto encolhemos, empobrecemos, subjugamo-nos e, como de costume, quem paga esse preço nem sequer terá tempo de vida para receber as benesses possíveis. De quê? Da restruturação da dívida concedida como uma esmola e não como uma política.

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© José Pacheco Pereira
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